É um debate no qual as partes interessadas não sabem exatamente o que querem, mas sim o que não querem.
 
A interrogação de como gerenciar a internet – e quem deve fazê-lo – ganhou corpo após as revelações de espionagem na rede vazadas por Edward Snowden, ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês).
 
Mas até agora, mais propostas foram rejeitadas do que bem recebidas, indicando a complexidade dos interesses envolvidos em um debate que está sendo impulsionado em parte pelo Brasil.
 
Em uma discussão promovida pelo centro de estudos Wilson Center, em Washington, um painel de especialistas trouxe à tona a variedade de questões presentes na discussão.
É possível conciliar a tarefa dos governos de patrulhar a rede em busca de potenciais terroristas com as liberdades fundamentais e o direito à privacidade das sociedades ocidentais?
 
Solução brasileira

"Ainda não há nenhuma proposta concreta sendo discutida", disse o conselheiro da corporação americana encarregada de atribuir domínios, o ICANN, Jamie Hedlund.
 
Falando à BBC Brasil após o evento, ele disse que "uma forma de fazer isso seria chegando a um modelo de política nacional que possa ser implementado em todos os países".
Até o episódio envolvendo a NSA, os EUA podiam sem grande polêmica ser considerados um exemplo neste tipo de discussão.
 
A legislação americana de privacidade no setor de telecomunicações data dos anos em que procurou-se evitar a repetição dos excessos cometidos pelos serviços de inteligência do governo durante o governo do ex-presidente Richard Nixon (1969-1974).
 
Mas a polêmica da NSA erodiu a liderança no tema – opinião comum entre analistas americanos –, e a internet coloca na equação uma realidade que ultrapassa fronteiras, requerendo ações mais coordenadas em nível internacional.
 
Voz ativa na discussão, a presidente Dilma Rousseff não esconde que pretende fazer do marco civil da internet brasileiro uma inspiração para um arranjo semelhante que gerencie o funcionamento da rede no mundo.
 
Entre os pontos incluídos no projeto de marco civil da internet estão a garantia de neutralidade da rede – ou seja, que todos os dados da internet possam ser acessados sem distinção de conteúdo -, a garantia de privacidade dos usuários, salvaguardas aos dados pessoais dos internautas e uma regulamentação estabelecendo em que situações conteúdo pode ser retirado da rede.
 
Dilma anunciou uma conferência no Brasil em abril do ano que vem com o intuito de promover discussões para chegar a uma internet "aberta, democrática e participativa".
 
“Defendemos (…) que haja marco civil multilateral para governança e uso da internet. Isso implicaria numa discussão sobre a proteção dos dados da internet para impedir que qualquer movimentação de combate ao terrorismo (…) seja usada como álibi para guerra cibernética”, disse a presidente nesta quinta-feira em entrevista à rádio Itatiaia.
 
A linha será defendida pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, durante o Fórum Internacional de Governança da Internet (IGF), uma iniciativa da ONU cuja reunião anual está ocorrendo em Bali, na Indonésia, até o fim desta semana.
 
Polêmica

Entretanto, um ponto na proposta do governo que está em tramitação no Congresso Nacional, com o objetivo de garantir essa proteção de dados, está sendo acusado de ir contra esse intuito: a cláusula que obrigaria empresas de telecomunicações a manter no Brasil as informações de cidadãos brasileiros.
 
A ideia gerou oposição de cerca de 50 organizações e associações empresariais que enviaram uma carta ao Congresso em Brasília, alertando que a iniciativa, se aprovada, teria "consequências indesejadas" como menor segurança dos dados, maior custo para empresas e consumidores brasileiros e menor competitividade para a economia do País.
 
"Arquivos envolvendo brasileiros, por essa lei do marco civil da internet, estarão no Brasil e não mais nos Estados Unidos, como ocorre hoje", disse Dilma à Itatiaia. "Eu tenho a certeza e a convicção que a grande maioria dos países democráticos vai procurar participar desse processo (…) que envolve, obviamente, os marcos civis da internet locais, mas exige também uma 'engenharia' da internet internacional que permita que a gente garanta esse espaço democrático para todos os cidadãos do mundo."
 
Durante o evento em Washington, um dos mentores do marco civil, o especialista Ronaldo Lemos, disse que a ideia de incluir a nacionalização de centros de dados na legislação não partiu da sociedade civil e sim de "setores" do governo brasileiro após os escândalos de espionagem.
 
Lemos questionou os efeitos da medida sobre a eficiência dos serviços de internet no Brasil, lembrando que a infraestrutura brasileira já enfrenta gargalos, por exemplo, no campo de energia.
 
Ecoando a queixa, o sócio da consultoria Prospectiva, Ricardo Sennes, avaliou que a proposta enfrenta resistências mesmo dentro da sociedade brasileira.
 
E todos os especialistas concordaram que outro perigo da proposta, mais além da dificuldade técnica, tem a ver com a possibilidade de outros países seguirem o exemplo, gerando uma espécie de "efeito dominó" e culminando na chamada "balcanização" da internet.
 
O termo invoca a fragmentação do espaço virtual até hoje considerado fluido – e percebido como tal –, e a sua substituição por um maior controle da internet por parte dos Estados nacionais.
 
Estados x Estados

Uma proposta de controlar a internet em instâncias como a ONU, vista com simpatia pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu o apoio de nações como China e Rússia, mais conhecidas pela censura à internet que o respeito à liberdade de expressão.
 
Um modelo nesta linha possivelmente aumentaria os instrumentos dos governos para evitar ações de espionagem de outros governos. Mas entidades de direitos civis alertam que em vez de liberar a rede dos Estados nacionais, a proposta criaria ainda mais vigilância.
Na linha atual defendida pelo governo Dilma, o controle estatal deu lugar no discurso à governança multilateral e sobretudo "participativa", com a inclusão de vozes da sociedade entre as partes interessadas.
 
Mesmo que uma proposta global para a internet ainda seja uma realidade distante, Jamie Hedlund, do ICANN, acredita que a discussão foi apenas acelerada pelas revelações de Snowden.
 
"Se surge um problema envolvendo a internet agora, quem devo chamar?", ilustrou o executivo. "Essa já era uma preocupação antes de Snowden."
 
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